Antes mesmo que a medicina como a conhecemos pudesse se consolidar na sociedade ocidental, o uso de plantas medicinais era o meio utilizado para tratar ou evitar doenças. O Brasil é um país que possui uma flora natural riquíssima, onde podem ser encontradas inúmeras espécies com propriedades benéficas, graças a nossa grande biodiversidade. Além disso, a relação cultural que envolve o manejo destas espécies tem uma importância significativa para explicar os modos de vida do povo brasileiro. 

Cada região do país possui suas tradições relacionadas a essas plantas, existem exemplos muito utilizados pela população para vários fins, como a Babosa, Camomila, Quebra-pedra, Boldo, etc. No entanto muitas dessas plantas permanecem desconhecidas para as massas. Por isso os estudos etnobotânicos nos mais diversos domínios são muito importantes para entender o uso destes recursos vegetais, seja em áreas de vegetação nativa ou em espaços alterados pelo homem.

No estado do Piauí existem muitas áreas com vegetação de transição, sob influência da mata úmida, do cerrado e da caatinga, que detém ampla diversidade vegetal e animal. Foi no intuito de ter um contato com essa realidade e engrandecer o conhecimento acerca de áreas ainda pouco estudadas no estado, que a pesquisadora Maria Carolina de Abreu, docente da Universidade Federal do Piauí e especialista em botânica, realizou um estudo cultural e botânico na comunidade rural Paquetá II, no município de Sussuapara, no sudoeste piauiense, financiado pelo Edital N° 004/2011, da Fapepi.

O objetivo foi realizar um levantamento etnobotânico das plantas medicinais da Caatinga em zonas que recebem influência de atividades humanas, mapeando locais de uso dos recursos vegetais do sertão piauiense. Essas zonas vem sofrendo grandes transformações pela ação humana na sua vegetação nativa, reduzindo sua diversidade de espécies úteis, como aquelas de potencial medicinal. A pesquisa buscou levantar o acervo de plantas medicinais localmente manejadas, além de verificar a importância cultural do processo.

Ao todo, foram executadas 21 expedições a campo e realizadas entrevistas semi-estruturadas aos informantes adultos, escolhidos aleatoriamente por residência. Nas 35 entrevistas feitas houve citações de 76 plantas de uso medicinal, sendo 44 espécies diferentes. As ervas mais comuns foram a Lippia alba (Mill.), popularmente conhecida como erva-cidreira, com 10,53% e a Mentha x villosa Huds (hortelã-verdadeiro) com 7,89%. Já entre as famílias de plantas, foram citadas as Lamiaceae (07) e Fabaceae (05), respectivamente conhecidas como “família da hortelã” e “família das leguminosas”. 

Quanto a origem, 55,26% das plantas citadas são nativas e 44,74% exóticas. De acordo com o levantamento feito pela pesquisadora, o conhecimento de uso desses vegetais têm sido transmitido de geração para geração em 77,63% dos casos entrevistados, e 22,37% por vizinhos ou amigos, evidência de que o manejo desses vegetais está intrinsecamente alojado na cultura histórica da região. Os resultados foram analisados e utilizados na produção de uma cartilha que aponta a diversidade de plantas medicinais assim como o uso delas baseado no conhecimento da população da área pesquisada. 

“Com base no que foi levantado, o entendimento da pesquisa é que se torna urgente entender o uso destes recursos para adotar práticas de manejo apropriadas a área, registrar o conhecimento cultural local e subsidiar descobertas de novos compostos etnofamacológicos”, alerta a professora, uma vez que a perda das plantas nativas contribuem para o uso de plantas medicinais obtidas em outros locais, como lojas e farmácias, assim como o uso de medicamentos alopáticos contribuindo a longo prazo para o desuso desse conhecimento.

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  • Última modificação do post:4 de dezembro de 2019